Teatro de Bolso SESIMINAS BH
ATENÇÃO!
Não é permitida a entrada após 15 minutos de início do espetáculo.
Uma oferenda para o infinito
No dia 13 de outubro, “AIÊ”, álbum que congrega as poéticas do brasileiro LuizGa e do português Edgar Valente, sob produção musical de Guilherme Kastrup, estará disponível em todas as plataformas digitais (em novembro, disponível também em LP e CD). O lançamento, que acontece pelo selo alemão Ajabu!, expõe a rica parceria do duo, numa obra que passeia por cânticos, ‘rezos’, mandingas e temas instrumentais.
César Lacerda
AIÊ: sua genealogia
Na mitologia Yorùbá a palavra Àiyé (ou Ayé) designa o “mundo terrestre” ou “mundo dos vivos”: um mundo onde acontecem os encontros físicos e a presença é celebrada, onde a invenção e o improviso engendram a vida e a sua mágica. Logo, é onde a música e a palavra carregam poder, e são capazes de abrir portais para o contato com o mundo espiritual, o Òrun. A reunião de LuizGa (alter ego de Luiz Gabriel Lopes) e Edgar Valente projeta-se como elogio a essa cosmogonia, iluminando delicadamente sua beleza, seus mistérios, sua complexidade e seus ensinamentos. A multiculturalidade instituída pelas diásporas luso-falantes é objeto central da pesquisa apresentada aqui – claro, reconhecendo a crueldade trágica que envolveu toda a travessia transatlântica ao fundar a modernidade ocidental. Esta obra, porém, faz a escolha de recolher os tesouros, como que pequenas conchas, as filigranas que segredam o poder transformador desses povos: a alquimia da colaboração; a superação pela festa; a costura de sons, sempre trançando novidades, algo que inventa as línguas; o feitiço do tambor e o tamborilar da voz. Aqui, Brasil e Portugal, o Atlântico e África, os territórios em transformação, tudo já não é só o seu passado. Suas ancestralidades, no entanto, são a promessa da existência do futuro. Uma oferenda para o infinito.
– – – –
LuizGa e Edgar Valente se conheceram em 2016, numa noite no Cais do Sodré, em Lisboa. Todavia, como pontua Valente: “Esse encontro é capaz de ser de outras vidas”.
A sinergia musical surgiria algum tempo depois dessa ocasião, quando, em Serpa, no Alentejo, LuizGa iria realizar uma imersão nos estúdios do Musibéria, e buscava por um músico polivalente. Edgar sugeriu a si próprio para a tarefa, pois, já havia gravado ali com sua banda, Criatura (segundo o escritor Valter Hugo Mãe: “São a mais importante banda do país neste instante. Quem assiste a um concerto [deles], vê a luz”). Nascia ali uma frutífera colaboração musical entre os dois. O primeiro concerto da dupla aconteceria em Portugal, em 2018. O êxito foi tamanho que em 2019 foram convidados para se apresentar no conceituado Bali Spirit Fest, na Indonésia. Daí, em 2020, o acaso e a pandemia, fizeram com que LuizGa estivesse na casa de Edgar quando tudo se fechou. O que era para ser uma rápida passagem de três dias pelos arredores de Lisboa, transformou-se numa longa e profícua estadia de três meses. Ali nascia AIÊ.
Encruzilhadas
“Exu” (Gustavito) abre os caminhos do AIÊ. Num ostinato obstinado, as notas si, ré e mi do bordão grave vão criando um chão por onde o canto possa se lançar, traçar o destino do disco: “Exu que virou numa espoleta/ Foi rodopiando pelo ar/ Me emprestou a viola violeta/ Pra essa cantiga anunciar”. As vozes de LuizGa e Valente se entrelaçam em uníssono, e numas de fazer dançar a língua, ora surgem as vogais abertas e alongadas do Brasil, ora as consoantes sólidas, esquinas de Portugal. Nasce, então, a língua do compassivo entendimento. A língua do perdão: “O povo do mundo é filho teu/ Abre os meus caminhos/ Conta-me sobre os teus/ Ensina-me a língua de Oxalá”.
AIÊ foi pré-produzido e gravado por Paulo Lourenço entre a sala de estar e o sótão de duas casas, entre a Quinta do Anjo (um distrito de Setúbal) e a Covilhã (cidade no centro norte interior de Portugal, onde Valente nasceu). A maioria dos instrumentos foi gravado pelo duo, com participações pontuais em algumas faixas. Em “Exu”, por exemplo, LuizGa alterna-se entre violões, baixo, palmas, vassourinha no udu e vozes. Enquanto, Edgar toca cajón, unhas de bode, palmas e canta. Guilherme Kastrup, que divide a produção do disco com a dupla, nessa faixa toca berimbau. Para Kastrup: “AIÊ é a união entre dois grandes artistas lusófonos. Almas gêmeas, separadas no nascimento por um oceano, mas irmanadas não apenas no fazer artístico, mas também nas buscas espirituais e filosóficas. A música do AIÊ transpira essa aspiração por um mundo melhor, inspirada por saberes ancestrais e por conexões cósmicas. Está no território da magia”.
“Haux Haux” (Luiz Gabriel Lopes), a segunda canção do disco, foi a primeira a ser apresentada para o público, lançada como single em setembro passado. O título faz referência à saudação da etnia Huni Kuin, habitantes da fronteira Brasil-Peru na Amazônia Ocidental. Numa simplificação de suas múltiplas acepções, poder-se-ia dizer que um de seus significados seria algo como “que venha a cura”. A expressão possui essa dimensão mágica, uma espécie de “palavra de ativação”, algo que revela e convoca seus falantes à regeneração – de si e do planeta. O refrão da canção reforça o sentido dessa saudação: “Dentro da terra/ Do fundo do sol/ Há uma força/ Há uma força/ Dentro de nós/ Há uma força”. LuizGa relata: “Em 2016, estive na aldeia Novo Segredo, no Jordão, no Acre, para uma cerimônia de ayahuasca com o Pajé Sabino Ixã, liderança do povo Huni Kuin. A força daquele ritual, dos ‘rezos’ cantados ali, da ‘medicina’ e dos processos que ela desencadeou em mim, tudo isso fez com que eu desejasse me aprofundar nesse conhecimento. Mais tarde, em 2019, eu fui convidado para trabalhar numa residência com o Grupo Kayatibu, um grupo de jovens artistas daquela etnia, que estão pesquisando e recriando sua própria tradição. Esse trabalho, o de professor de música daquela aldeia, se tornou uma parceria e vem se desenvolvendo. Inclusive, a gente vai lançar no ano que vem um disco com canções deles, produzido por mim, gravado e produzido na floresta”.
As sonoridades de AIÊ têm como referência artistas que, segundo Edgar, “têm uma forte relação com as plantas”. É o caso de Danyèl Warô (um cantautor da Ilha da Reunião, um território francês no oceano Índico a leste de Madagascar), Orlando Pantera (cantautor cabo-verdiano que ressignificou a música daquele país), Edgardo Cardozo (extraordinário cantor, violonista e poeta argentino), os Tincoãs (fantástico trio baiano que, felizmente, vem sendo festejado e redescoberto nos últimos tempos) e Zeca Afonso (possivelmente, o mais importante compositor português do século XX). Este último, inclusive, aparece refletido em “Miração” (Edgar Valente & Luiz Gabriel Lopes). Valente reconhece a presença dessa influência em sua música: “São, sem dúvida, influências incontornáveis do tipo de trabalho que estamos fazendo. A meu ver esses discos do Zeca Afonso, produzidos pelo José Mario Branco, são as primeiras experiências de world music produzidas aqui em Portugal – uma coisa atrevida, naquela altura, incorporar por dentro da cultura portuguesa tudo aquilo que vinha de outros lugares, isso no período da Guerra Colonial Portuguesa”.
“Suksma” (Luiz Gabriel Lopes & Edgar Valente), quarta canção de AIÊ, é um tema instrumental. Em balinês suksma quer dizer “obrigado”. A música faz referência a um dia em que Edgar e LuizGa passeavam por Bali. Na caminhada, adentraram a um templo e começaram a tocar, despretensiosamente. LuizGa relembra: “De repente, apareceram diversas crianças ali. E eu estava tocando o tema do que viria a ser “Suksma” tempos depois. Nisso, essas crianças passaram a me acompanhar com palmas, nuns tempos rítmicos muito complexos, polimétricos”. A faixa surge, portanto, como sentimento de gratidão às ancestralidades e seus sistemas múltiplos de conhecimento e compreensão da vida. Ambos os cantautores se veem nesta obra como aprendizes. A intenção ao criar esse disco foi a de mergulhar numa pesquisa que cruza diferentes epistemologias, territórios e sistemas de crenças. E assim, fazer surgir algo novo. “Eu acho que isso tem a ver com todo esse debate sobre memória e o aprendizado sobre culturas, hábitos, linguagens, sistemas de conhecimento que foram sendo, ao longo dos séculos, oprimidos e invalidados. Ou seja, as colonizações do conhecimento. E por fim, o entendimento de que esse debate hoje tem a ver com recriação, tradução, poesia”, conclui LuizGa.
A canção seguinte, “Obaluaê“ (tradicional – umbanda), foi coletada e apresentada a LuizGa pela cantora e pesquisadora mineira Déa Trancoso. No cântico soam apenas as vozes a cappella dos artistas. “Quando Déa me mostrou esse canto ritualístico ela me disse que era importante que corpos jovens cantassem-no. E é lindo pensar que hoje, aqui em Portugal, além de mim e do Edgar, também o Coro dos Anjos canta o ‘Obaluaê’ – a orixá agradece”, pontua LuizGa (o Coro dos Anjos é o coral do bairro dos Anjos, em Lisboa, um coletivo fundado por Edgar Valente, com a missão de regenerar a música popular portuguesa).
Em seguida, vêm “Odé”, “Orunmilá” e “Águas de Oxalá”, três parcerias de LuizGa com Sérgio Pererê – a última, inclusive, contou com registro da cantora sergipana Héloa, em dueto com Mateus Aleuia. Para Pererê, “Ouvindo todo o álbum a sensação que me vem é de uma meditação alternativa guiada pela dança das vozes, a mistura de tambores de vários brasis que vão do Candomblé ao Boi de Pindaré. E, sobretudo, a poesia que revela heranças africanas e indígenas fundindo ancestralidade e contemporaneidade”.
“Galope” (Luiz Gabriel Lopes) é a penúltima canção de AIÊ, e o segundo tema instrumental (ou quase) presente no álbum. Ouve-se ali qualquer coisa dos primeiros trabalhos de Edu Lobo ou Hermeto Pascoal. No entanto, o que fica mais nítido é a depuração da composição de LuizGa, que vem construindo ao longo do tempo uma obra de caráter prolixo e profícuo, em suma, de traço único. “Os cavalos também cantam” – a frase dita por Gil Dionísio no fim da música parece simbolizar a cosmovisão e o sentido da pesquisa daquilo que canta a dupla, atravessando portais entre mundos físicos e espirituais.
AIÊ se despede de sua travessia com “Adeus ao Mundo” (Edgar Valente, Daniel Vasconcelos Melim, Luiz Gabriel Lopes & Sara Mercier). A canção, entre o meditativo e o sonolento, nasceu ainda na pandemia, quando tudo, segundo Edgar, “parecia se reduzir às telas e às celas, e nós não sabíamos o que viria a seguir”. Essa despedida, no entanto, não é carregada de melancolia. Ela parece apontar para a chegada de um novo tempo, desejo que costura toda trajetória do disco. Em suma, eu diria, que AIÊ nos é ofertado como bálsamo. A medicina para um planeta adoecido. Seus aromas, unguentos e eflúvios são uma oportunidade para nos relembrarmos, enquanto ouvimos, enquanto cantamos, enquanto dançamos, enquanto rezamos, que o melhor lugar do mundo segue sendo aqui (e agora). Por isso, LuizGa e Edgar Valente acessam memórias ancestrais e ofertam delicadezas para construção de um futuro possível.
TÍTULO: SHOW AIÊ
DATA: 23/02/2024
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: Livre
HORÁRIO DE INÍCIO: 21h
TEMPO DE DURAÇÃO: 90 minutos
PREÇO DO INGRESSO: R$36,00 INTEIRA E R$18,00 MEIA-ENTRADA (ANTECIPADO)
R$45,00 INTEIRA E R$22,50 MEIA-ENTRADA (NO DIA DO EVENTO)
TEATRO DE BOLSO SESIMINAS
Rua Padre Marinho , 60 – Santa Efigênia
CENTRO CULTURAL SESIMINAS BH
Rua Álvares Maciel, 59 – Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG
☎ (31) 2116-0418 – Novo número
CENTRO CULTURAL SESIMINAS UBERABA
Praça Frei Eugênio, 231 – São Benedito, Uberaba – MG
☎ (34) 3322-2021 📲 (34) 9 99363912
SESI MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS
Praça Rui Barbosa, 600 – Centro, Belo Horizonte – MG
☎ (31) 2116-0419 – Novo Número
📲 (31)99408-0192
Serviço de Atendimento ao Cliente:
4020 9030
Ouvidoria:
0800 882 2525
Recepção Sede:
(31) 3263 4200
Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira das 8h às 17h Exceto feriados nacionais e locais.