Confira o artigo produzido pela Gerência Jurídica da FIEMG
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No último dia 24 de setembro, foi sancionada a Lei nº 14.063/2020, que dispõe sobre as assinaturas eletrônicas em interações e comunicações com Entes Públicos.
A legislação recém-publicada representa um importante avanço para desburocratizar e agilizar a tramitação de instrumentos celebrados, em âmbito de instrumentos públicos quanto particulares, absolutamente sem qualquer prejuízo à segurança, autenticidade, integridade e eficácia dests instrumentos. Aliás, sobretudo, quando realizados em ambiente eletrônico, a tendência é que tais elementos essenciais aos documentos sejam cada vez mais preservados, dado o maior acesso à informação precisa e às tecnologias necessárias à implementação e verificação desses mecanismos.
Para nortear as inovações trazidas pela Lei, o Art. 3º define alguns elementos essenciais à adoção e implementação das assinaturas eletrônicas, notadamente quanto ao processo de autenticação, que embora essencial, nada mais é do que permitir a identificação do signatário e a autenticidade daquela assinatura nos termos da Lei. De forma complementar, a Lei determina quais certificados digitais serão aceitos para aqueles atos que podem ser assinados eletronicamente, ratificando a possibilidade de utilização de certificado digital emitido pelo ICP-Brasil e admitindo a possibilidade de outro certificado digital que associe os dados de validação da assinatura eletrônica a uma pessoa natural ou jurídica e seja expressamente aceito como válido entre as Partes signatárias, devendo observar também o grau de sigilo aos dados tratados no caso específico, de acordo com os Entes envolvidos e a legislação aplicável.
Tamanho foi o avanço obtido com a sanção da Normativa, foi precisa ao tratar inclusive de assinaturas eletrônicas em questões de saúde (como atestados médicos e prescrições de receituários). Tais questões, embora não sejam objeto deste breve artigo – demonstram a capacidade inovadora da norma em contribuir para resolver problemas históricos de difícil solução, que não raro recaem sobre a autoria, validade e autenticidade destas assinaturas e respectivos documentos.
A Lei foi sancionada com alguns vetos pelo Executivo Federal, cabendo ressaltar que tais medidas de veto foram contundentes ao evitar a imposição de regras que certamente dificultariam a implementação dos avanços pretendidos – ainda não alcançados e validados – pela adoção das assinaturas eletrônicas.
Exemplificadamente, não fosse o veto, admitir-se-ia exigir a certificação digital até mesmo para a pessoa física requerente de seus próprios dados em interações simples com determinados Órgãos do Poder Público, bem como para preservar o sigilo de identidade em interações que, por sua própria natureza, devem preservar a identidade do particular, como nos casos de denúncias anônimas. Destaca-se também o veto em relação à modalidade de assinatura eletrônica exigida para a transferência de veículos automotores e em relação às assinaturas eletrônicas referentes a determinadas modalidades de interação com o Fisco. Por fim, ressaltamos também os vetos impostos à criação de uma comissão técnica, para realizar um trabalho que, em princípio, seria redundante, tendo em vista os trabalhos atualmente realizados pelo ITI e ICP-Brasil.
Em seu Art. 4º, a legislação sancionada classifica três espécies de assinaturas eletrônicas, sendo elas:
I – Assinatura eletrônica simples: é aquela que apenas permite identificar o seu signatário e/ou anexa ou associa dados a outros dados do signatário, em formato eletrônico.
II – Assinatura eletrônica avançada: que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil, mas que são admitidos pelas Partes como válidos ou aceitos pela pessoa a quem o documento for apresentado para que produza seus efeitos jurídicos, que deve, também, estar associada ao signatário de maneira unívoca e/ou que utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; bem como, por fim, está relacionada aos dados do signatário de forma que qualquer modificação posterior seja detectável.
III – Assinatura eletrônica qualificada: realizada por meio de certificado digital, também nos termos da MP nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, pelos quais, garante-se, em princípio, a identidade do signatário e a integridade da assinatura, preservando, inclusive, a não adulteração de conteúdo após a assinatura. É a espécie admitida em qualquer comunicação eletrônica com Ente Público, sem prejuízo de utilização de outras espécies de assinatura, conforme aplicável.
Ou seja, no âmbito das relações privadas, em que a adoção das assinaturas eletrônicas não é obrigatória, vê-se que adotar as medidas para a efetivação desses mecanismos digitais acaba por desburocratizar e acelerar a celebração dos instrumentos desejados, destacando-se ainda a enorme redução dos esforços de tempo e de recursos financeiros, para que tais documentos e suas assinaturas sejam autenticados nos tabelionatos competentes, ou mesmo para que tramitem internamente nas empresas signatárias, aguardando a disponibilidade do signatário junto ao instrumento a ser firmado. Ou seja, a partir de agora, reforça-se o entendimento de que as Partes signatárias poderão firmar o instrumento de qualquer lugar, sem qualquer prejuízo à validade da assinatura, autenticidade e integridade do instrumento.
Assim, entendemos que a legislação foi precisa ao reforçar a segurança jurídica dos atos já praticados, regulamentando como deverão ocorrer as interações ocorridas por meio eletrônico, de acordo com o grau de sigilo do instrumento e da interação realizada, dentre outras questões, sem estabelecer, contudo, que ocorram por meio eletrônico, preservando a validade e eficácia dos atos praticados por outros meios e, ainda assim, agregando confiabilidade e economia bastante significativas dos custos envolvidos.
Corroborando para esse entendimento, recordemo-nos de que a aceitação e validade de assinaturas eletrônicas pelos Entes Públicos já observam, também, regulamentação anterior, nos termos da MP nº 2.200-2, de 2001, notadamente em seu Art. 10º, §1º, que dispõe:
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil. (grifamos)
Ainda acerca das assinaturas admitidas para cada ato ou interação com o Ente Público, há que se observar o Art. 5º da Lei nº 14.063/2020, determinando que caberá ao titular do Poder ou do Órgão constitucionalmente autônomo de cada Ente Federativo estabelecer o nível mínimo exigido para assinatura eletrônica (dentre as modalidades de assinatura descritas no Art. 4º) em seus documentos, transações e interações.
Corroborando para o entendimento de que os Entes Públicos já têm adotado medidas que efetivam a validade dos atos praticados mediante assinatura eletrônica, desde que tal assinatura tenha observado os critérios impostos pela legislação, subsiste o fato de que a Receita Federal do Brasil tem processado determinadas informações dos contribuintes há vários anos, de forma totalmente eletrônica/digital, dada a veracidade e confiabilidade dos sistemas existentes, outra vez mais, desde que tais sistemas tenham sido objeto de competente certificação pelo ITI e ICP-Brasil no âmbito de suas atribuições.
- Dessa forma, acerca das assinaturas, em breve resumo, podemos concluir que a assinatura eletrônica simples será admitida apenas para as interações que não envolvam informações protegidas por grau de sigilo (Art. 5º, §1º, Inciso I).
- A assinatura eletrônica avançada, por sua vez, poderá ser admitida especialmente nas interações que envolvam informações classificadas ou protegidas por grau de sigilo (Art. 5º, §1º, Inciso II).
- A assinatura eletrônica qualificada é aquela que poderá ser utilizada em quaisquer interações eletrônicas com o Ente Público, sendo obrigatória nos atos assinados por Chefes dos Poderes, Ministros ou titular de órgão constitucionalmente autônomo de Ente Federativo, atos de transferência e registros de bens imóveis e demais situações previstas em Lei (Art. 5º, §2º).
Como evitar discussões acerca do reconhecimento e validade das assinaturas eletrônicas
Superadas as questões relativas à possibilidade de assinatura dos instrumentos de forma eletrônica, admitidas a sua validade – desde que respeitadas as regras pactuadas em relação ao nível mínimo de classificação e modalidades exigidas –, recomenda-se a inclusão de cláusula ou disposição contratual especificamente redigida para esse fim, visando registrar a ciência e aceitação das Partes signatárias do instrumento quanto à validade das assinaturas realizadas eletronicamente, em sua respectiva modalidade.
Os requisitos, aplicabilidade, limites e mecanismos para reconhecimento de assinaturas eletrônicas nas interações com Entes Públicos, empresas privadas e órgãos constitucionalmente autônomos deverão ser por eles definidos, na forma da Lei. Nesse sentido, recomenda-se que tais agentes deverão informar ampla e previamente aos seus contratantes, usuários, contribuintes, dentre outros terceiros, acerca dos requisitos e os mecanismos internos adotados para realização e reconhecimento de assinatura eletrônica exigida.
Neste sentido, recomenda-se informar previamente aos potenciais interessados que, para realizar uma determinada interação, o destinatário desta informação deverá possuir certo nível de certificação digital válida, bem como sobre a obrigatoriedade de realizar cadastro prévio em determinada plataforma de assinaturas eletrônicas, dentre outras exigências que podem ser definidas e/ou flexibilizadas para cada caso, sempre observando os níveis mínimos de classificação das assinaturas exigidas conforme a lei.
Outrossim, sempre convém recordar da necessária observância à boa-fé objetiva dos Contratos, sem prejuízo das regras de Compliance e Políticas de Conformidade, bem como da Lei Geral de Proteção de Dados, evitando-se questionamentos de toda sorte que poderiam ser suscitados ante a potencial irregularidade de determinadas exigências ou atos praticados.
Das plataformas e portais de assinatura
Feitas as considerações a respeito das espécies de assinaturas eletrônicas e da Lei nº 14.063/2020, de maneira geral, convém abordar brevemente a conexão dos atos de assinatura com as questões referentes à “plataforma” ou “portal de assinaturas”, ou quaisquer meios eletrônicos e tecnológicos de utilização e efetivação da assinatura eletrônica nos instrumentos e processos cabíveis.
Convém esclarecer a separação da “chave de segurança”, “token”, senhas e quaisquer meios de criptografia que contribuam para garantir a autenticidade e integridade da assinatura de um determinado instrumento ou interação realizada eletronicamente, daqueles meios utilizados para a aposição das assinaturas nos instrumentos e interações realizadas, garantindo-lhes a sua validade, podendo ainda acrescer outros elementos de verificação, como custódia e rastreabilidade.
Ilustrativamente, tais serviços funcionam como verdadeiros cartórios virtuais,[1] acessados remotamente pelas Partes signatárias, de maneira eletrônica e/ou digital, registrando suas respectivas assinaturas no instrumento desejado, de modo que todo o processo possa ser monitorado minuciosamente, com registros de segurança diversos, capazes de mitigar os riscos cabíveis e, por óbvio, identificar rapidamente o acesso indevido, rastreando e pormenorizando as situações indesejadas.
A contratação de referida plataforma de assinaturas – geralmente um serviço prestado por empresas específicas de Tecnologia da Informação – ou a criação de software desenvolvido internamente ou a pedido de determinada empresa ou Entidade podem gerar inúmeros benefícios, dentre eles, a possibilidade de licenciamento do software desenvolvido.
Ressaltamos que quando tais plataformas são desenvolvidas ou têm o desenvolvimento contratado pelos Entes Públicos, conforme dispõe o Art. 16, serão regidas por licença de código-aberto, permitindo a sua utilização, cópia, alteração e distribuição sem restrições, por todos os Órgãos e Entidades abrangidos pelo referido artigo, excluindo-se expressamente desta disposição os contratos de desenvolvimento de sistemas que tenham sido firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 14.063/2020 e que contenham cláusula de propriedade intelectual divergente do caput do Art. 16.
Conclusões
A legislação recém-sancionada acaba por ratificar a validade das assinaturas eletrônicas já conhecidas e trazer mais segurança a todos, à medida que especifica e delimita, de forma bastante clara e razoável, os critérios e limites de sua utilização, trazendo alternativas tecnologicamente avançadas para a garantia da autenticidade, integridade e validade dos instrumentos firmados. Também nesse sentido, a legislação é extremamente feliz ao estender aos particulares e demais Entes Públicos ou privados, com a segurança necessária, a possibilidade de utilização das assinaturas eletrônicas em suas inteirações.
Recomenda-se, por fim, que aquelas Empresas, Poderes ou Órgãos autônomos que desejam implementar mecanismos eletrônicos de comunicação e interação elaborem seus regulamentos internos, testem e realizem todos os demais procedimentos, adaptando tais mecanismos até 1º de julho de 2021. Deverão ser divulgadas informações e critérios a serem exigidos para o reconhecimento de assinaturas e a tramitação de documentos digitais e eletrônicos de seu interesse, para que estejam plenamente adequados às normas internas definidas, sob pena de nulidade de determinados atos praticados.
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[1] https://blog.portaldeassinaturas.com.br/contratar-portal-de-assinaturas/
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Matheus Henrique Costa Maia – Advogado Cível na FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.
Pós-Graduação em Direito de Empresa (PUC Minas)
MBA em Mercado de Capitais e Derivativos (PUC Minas)
Private Equity & Venture Capital | Fusões & Aquisições (Insper)
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