Confira quais deverão ser os ajustes nas manutenções dos contratos perante a crise
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O primeiro semestre do ano de 2020 trouxe ao mundo uma pandemia com consequências que ultrapassam o âmbito da saúde, atingindo também o mercado financeiro, indústria, comércio, sistema de ensino, entre outros setores. Algo sem precedentes, que altera a dinâmica social e econômica com severas repercussões.
Entre as medidas restritivas adotadas para redução da propagação do vírus causador da doença COVID-19, ganha destaque o distanciamento social, responsável por uma série de modificações na rotina de pessoas e empresas, além de mudanças súbitas no padrão de consumo e paralisação de diversas atividades econômicas.
Nesta conjuntura excepcional, a recomendação de isolamento tem afetado a maior parte da cadeia produtiva, industrial e comercial, levando governos à decretação de fechamento de fronteiras e restrições no funcionamento de indústrias, comércio e estabelecimentos diversos, tais como lojas, escolas, cinemas e serviços variados, mantendo em plena atividade tão somente aqueles serviços tidos como essenciais à população.
Como não poderia ser diferente, os efeitos adversos da pandemia – assim declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 11 de março de 2020 – atingiram as relações contratuais e levaram empresas à reavaliação de seus contratos, para manutenção ou reestabelecimento do seu equilíbrio econômico-financeiro.
Ao medir a extensão dos impactos, somados a projeções futuras, algumas empresas têm se deparado com a impossibilidade de cumprimento de obrigações nos termos em que inicialmente foram assumidas e buscam a aplicação da teoria da imprevisão, força maior/caso fortuito e onerosidade excessiva, com o intuito de possibilitar a renegociação e/ou permitir a exclusão da responsabilidade contratual pelo seu descumprimento.
Nesse ponto, tem prevalecido no meio jurídico o entendimento de que a pandemia do coronavírus se encaixa no conceito geral de caso fortuito e força maior – tratados pela maioria como sinônimos –, já que se revestem de uma imprevisibilidade inevitável, cuja ocorrência não pode ser atribuída a nenhuma das partes envolvidas.
Contudo, para identificar se determinada pessoa/empresa poderá se utilizar da força maior como argumento para excluir a sua responsabilidade, deverão ser analisadas, caso a caso, as cláusulas contratuais e as condições gerais do negócio,bem como senaquele contrato específico consta cláusula de desobrigação por força maior e, em caso afirmativo, como é definida e quais são os seus limites.
Isso porque o Código Civil, embora não estabeleça o conceito de caso fortuito/força maior, prevê em seu artigo 393[1] que para exclusão da responsabilidade do contratante o instrumento contratual deverá assim estabelecer. Não obstante, a ausência de previsão no contrato permite que os envolvidos façam suas ponderações e ajustes na ocorrência do evento, segundo as circunstâncias que lhes são peculiares e conforme as situações que lhes sobrevenham.
Partindo dessa premissa, tanto o Código Civil[2] quanto a Lei da Liberdade Econômica[3] privilegiam a autonomia das partes e o afastamento estatal nas tratativas privadas, permitindo aos envolvidos definições e implicações sobre caso fortuito/força maior em determinada negociação. Para os contratos em curso, a liberdade contratual também permite que as partes definam, em conjunto, mudanças que serão adotadas diante das consequências financeiras e sociais que atinjam o pacto inicialmente formalizado pelas partes.
Normalmente as disposições que, de antemão, definem a exoneração de responsabilidade por força maior – Force Majeure – já foram descritas no contrato, em especial naqueles que tratam de: compra e venda de serviços e produtos mais complexos, obra por empreitada, compra e venda internacional de mercadorias, contratos societários com aporte de recursos, transporte de cargas, locação de espaço para eventos, dentre outros.
Entretanto, estando tais disposições previstas ou não no instrumento contratual, a atipicidade do momento permite a abertura de discussões que questionem a aplicabilidade de regras comuns, cláusulas rígidas e entendimentos usados em situações ordinárias, culminando em uma relativização e flexibilização das regras inicialmente estipuladas pelas partes.
Sobre as revisões contratuais que prevalecem em detrimento da rescisão[4], devem ser definidas em conjunto pelas partes, observando a função social do contrato e boa-fé objetiva, estandartes do direito contratual, além de exigir prudência aos envolvidos na defesa de seus interesses individuais, já que todas as organizações estão sendo impactadas em menor ou maior escala e a crise somente será derrotada com esforço de todos.
Nesse caso, abre-se espaço à conservação do contrato ao invés da rescisão mediante o refazimento de obrigações, readequação dos preços, suspensão temporária dos serviços, adiamento da entrega de produtos, flexibilização das multas, dentre outras medidas negociadas entre as partes, ainda que em caráter transitório, mas voltadas ao reequilíbrio econômico-financeiro e pautadas na razoabilidade/proporcionalidade.
Ainda nesse contexto, a opção pela transferência da atribuição de reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro ao Judiciário inevitavelmente causará morosidade, insegurança e incertezas, ao passo que, quando contratante e contratado assumem a tarefa de readequar suas obrigações, conseguem melhor dimensionar seus riscos, necessidades e custos, permitindo o andamento da relação contratual com maior fluidez.
Malgrado tais previsões que privilegiam a autonomia privada, o Estado tem se colocado presente em determinados setores, principalmente nas relações de consumo (especificamente na aviação civil), em virtude da recém-editada Medida Provisória nº 925/2020, que, dentre outras previsões, modifica regras já estabelecidas em contratos, com o intuito de reduzir conflitos no setor aéreo, que está sendo fortemente afetado.
A despeito das colocações feitas nos parágrafos anteriores, em conclusão, o contexto atual exige constante reavaliação, pois estamos diante de uma crise disruptiva e em evolução, acompanhada de medidas públicas mutáveis, que podem afetar o modo em que as negociações são conduzidas, o que exige cautela e boas práticas em meio aos contratos.
[1] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
[2]Art. 421 – CC/02. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
[3] Lei no 13.874/19 alterou o Código Civil, inserindo o art. 421 supracitado.
[4] Art. 479 – CC/02. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
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GABRIELA GONÇALVES MAIA, Advogada Cível e Comercial da FIEMG l Especialista em Direito Tributário
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